Etnociências: Diversidade Cultural e Práticas Pedagógicas

Data da Publicação: 04/09/2018


Etnociências: a cultura indígena e suas práticas pedagógicas

Aprender sobre outros conhecimentos, outros tempos e espaços, exige um descolamento daquilo que conhecemos e um desejo encontrar com outros saberes. A partir das leituras provocadas pela Profa. Dra. Kachia Téchio, na disciplina “Etnociências: diversidade cultura e práticas pedagógicas” nos deslocamos para as primeiras interações com outros conhecimentos. Após os estudos teóricos, tivemos a oportunidade de dialogar com o Líder Indígena e Prof. Dr. Almir Narayamoga Suruí, membro do clã Gameb do Povo Paiter Surui compartilhando suas vivências, saberes e expectativas com relação aos povos indígenas no cenário político, econômico e educacional.

Na ocasião, o Prof. Almir destacou, primeiramente, os embates do passado provocados pelo contado do indígena com os não-indígenas. Segundo ele, “o impacto social advindo do contato com o não indígena trouxe uma dizimação biológica através de doenças”. De um modo geral, expôs vários projetos que estão acontecendo a nível nacional, como internacional. Dentre eles, o Plano de 50 anos que objetiva criar um modelo de estratégias para dialogar com os dois conhecimentos – indígena e não indígena –em várias áreas das ciências. Esse plano congrega diversos projetos com parcerias nacionais e internacionais. Um dos projetos destacado foi o Projeto Carbono Florestal Suruí, Projeto Pamine Reflorestamento Suruí no qual 31 espécies de plantas nativas da Amazônia estão sendo utilizadas; o Projeto de Biomonitoramento em parceria com o Google e a Kanindé, em que os próprias indígenas acompanham o crescimento das plantas e animais, inclusive as taxas de mortalidade e natalidade destes.

A turma teve a oportunidade de dialogar com o líder indígena, esclarecendo dúvidas sobre a cultura, os projetos e as expectativas ligadas aos etnoconhecimentos no sentido de valorizar os saberes nativos e evidenciar as possibilidades que surgem dos encontros entre o não indígena e o indígena para constituir políticas de preservação da cultura e do meio ambiente a nível nacional e internacional. Neste sentido, o Prof. Almir destacou que um dos principais motivos de preocupação, em diferentes níveis, é a constituição de uma política sustentável, na qual a bandeira maior é manter a floresta em pé. Evidentemente, há uma relação direta entre a perpetuação da cultura indígena e a preservação do ambiente em que estão.

Outro encontro interessante realizado na disciplina foi com a Professora não Indígena Ednalda Mutz e com o professor indígena Daniel Suruí. A Professora Mutz há algus anos realiza trabalhos nas escolas de algumas aldeias próximas à Cacoal, tais como: Aldeia Gabgir, Aldeia Nabecolabawakiwa, Aldeia Amaral, Aldeia Paiter e Aldeia Lapetanha. Em sua fala, alguns relatos de suas vivências demonstraram os desafios encontrados no início do contato enquanto professora (choque cultural, educação miscigenada, locomoção, bilinguismo-trilinguismo), e, no mesmo compasso o professor Daniel Suruí complementava as falas da professora Mutz, explicando detalhes sobre determinadas tradições ressignificadas ao longo do tempo. Os desafios da professora Mutz eram sentidos, também, em suas práticas docentes, tendo em vista que não podia ser da mesma forma que trabalhava uma escola não indígena. Ela relata que parecia viver em dois planos de adaptação, tanto o cotidiano pessoal (ter que organizar dois locais para dormir, se alimentar) como se fosse um “anexo” da aldeia, como no papel de professora daqueles sujeitos. No que se refere as tradições, que compõe a educação cultural indígena, o professor Daniel esclareceu, a partir de uma dúvida dos mestrandos, como acontecia a nomeação de uma criança. Segundo ele, os nomes são criados por uma pessoa que, mediante uma comunicação divina, se coloca na função de produzi-lo, e essa produção não é imediata, ela ocorre lentamente sem um tempo determinado, quando está pronta o produtor do nome vai até os pais da criança e fala o nome que a criança terá. Além disso, algumas pessoas ou determinados graus de parentesco, não podem pronunciar o nome atribuído à criança durante toda a vida, para se referir a criança chamam-na de irmão, sobrinho, etc conforme o grau de parentesco.

Em relação as suas práticas em sala, a professora Ednalda trouxe com ricos detalhes o projeto Panela de Barro, no qual uma anciã da aldeia é convidada a mostrar o local em que se encontra o barro para confecção da panela, além de ensinar, tanto os alunos como a própria professora, a maneira de faze-la. Durante os passos da produção, algumas indicações do processo foram expostas: 1) mulher casada não pode entrar no barreiro; 2) a saída do barreiro é silenciosa; 3) deve-se esquentar o barro com as costas e, durante esse processo, a pessoa não pode se alimentar, nem se mover, nem falar; 4) queimar o barro com fumaça e casca de árvore. A idéia de convidar a anciã para ensinar fzer panela partir da Prof. Ednalda ao perceber que através dessa atividade conseguiria inserir os conteúdos “exigidos pela secretaria de Educaçao” e propiciar aos alunos uma aproximação entre eles. Além desse projeto, a professora apresentou outros envolvendo dança, música e instrumentos nativos (confecção de flauta de bambu com auxílio de sabedores anciães). A professora estimulava as atividades da cultura como a pesca tradicional com o TIMBÓ, como se fosse uma aula de campo, na sequencia transformava cada “aula de campo” em produções de texto nas aulas de português ou em outras disciplinas que ela tinha como obrigatórias para aquele período.

Através desses encontros, encantamentos e surpresas a disciplina de Etnociências: diversidade cultura e práticas pedagógicas se desenvolveu. O que registramos da disciplina foram muitas experiências, diálogos e o seguinte desafio: pensar o “outro” como diferença constantemente, respeita-lo e, principalmente, reconhecer que nas aldeias, nas comunidades remanescentes, nas casas de palafita às margens dos rios, outras ciências estão acontecendo, outros modelos de ensino estão se constituindo e estes figuram como esse “outro”, que não é representação, pode ocupar espaços de formação, práticas pedagógicas, políticas educacionais, entre outros e auxiliar na produção de novas formas de ensino e aprendizagem para os modelos ocidentais que conhecemos. Nesse interim, poderíamos dizer que a educação na perspectiva da diversidade cultural só acontece mediante encontros entre a diferença, pelos etnoconhecimentos e estes, inevitavelmente, vão mobilizando primeiramente a compreensão das práticas colonialistas e a necessidade de práticas pedagógicas mais reflexivas e descolonialistas.

 

Jeieli l.S. Oliveira e Gabriel Tenório

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